
O lançamento dos remasters da trilogia clássica de Tomb Raider trouxe empolgação e nostalgia para os fãs da saga. No entanto, a mais recente atualização abriu espaço para uma polêmica delicada: surgiram indícios de que vozes de personagens de The Angel of Darkness teriam sido recriadas com o uso de inteligência artificial (IA), sem o conhecimento ou a autorização das dubladoras originais.
A possível prática reacendeu uma discussão global que envolve direitos autorais, legislação e ética no uso da voz de artistas em produções audiovisuais.
O embate legal ao redor do mundo
Nos Estados Unidos, a polêmica encontra eco nas recentes movimentações do sindicato SAG-AFTRA, que em 2024 realizou uma das maiores greves da história do setor. Um dos pontos centrais era justamente o uso da IA na recriação de vozes. O acordo firmado em 2025 determinou que qualquer uso de vozes sintetizadas deve ter consentimento explícito e gerar remuneração adicional. Além disso, leis da Califórnia (AB 1836 e AB 2602) agora proíbem o uso não autorizado da voz de artistas, vivos ou falecidos.
Na França, a situação é ainda mais rígida. O país protege os chamados “direitos morais” dos artistas, considerados inalienáveis e perpétuos. Como a voz é parte da identidade pessoal, nenhuma manipulação ou recriação pode ser feita sem autorização, mesmo que os direitos patrimoniais da gravação pertençam à empresa.
A dubladora oficial do game na versão francesa, Françoise Cadol, respondeu a um fã via mensagem agradecendo o alerta e avisando que uma declaração será feita em breve:
No México, a Lei Federal do Direito Autoral também estabelece que a voz e a imagem de uma pessoa só podem ser usadas mediante autorização expressa. Qualquer uso indevido pode gerar ações por danos morais ou patrimoniais.
A Espanha segue linha semelhante, protegendo a voz como parte da identidade pessoal pela Constituição e pela Ley Orgánica 1/1982. O uso não autorizado em obras audiovisuais pode resultar em indenizações e processos.
Já no Brasil, ainda não existe legislação específica sobre IA aplicada à voz. O que há é a proteção de direitos de personalidade no Código Civil e na Constituição, que asseguram a imagem e a honra do indivíduo. Assim, embora não haja regras claras, o uso de vozes sem consentimento poderia ser questionado judicialmente por meio de ações por danos morais.
Assim como no exterior, a dubladora oficial brasileira de Lara Croft no game, Lene Bastos, se posicionou publicamente a favor da dublagem viva, fato que repercutiu em outras mídias do País e também em redes sociais internacionais focadas em Tomb Raider. Veja o post:
Questão ética: entre preservação e desvalorização
Para dubladores e artistas, a polêmica vai além da letra da lei. Muitos defendem que recriar vozes por meio da IA não é apenas uma questão contratual, mas de identidade artística. A voz resulta de anos de prática e técnica, e transformá-la em algoritmo pode ser visto como uma forma de desvalorização do trabalho humano.
Esse debate ganha ainda mais força no caso de Tomb Raider: The Angel of Darkness, jogo historicamente envolto em polêmicas devido ao seu desenvolvimento conturbado. Para parte da comunidade, usar IA para restaurar falas pode parecer um esforço válido de preservação histórica. Mas para outros, representa um desrespeito às intérpretes originais.
Outro ponto de destaque é a falta de transparência. Caso a IA tenha realmente sido usada, o silêncio das empresas responsáveis só aumenta a desconfiança. Especialistas defendem que qualquer recurso desse tipo deve ser explicitamente comunicado aos artistas e ao público.
Restaurar ou recriar? Uma diferença fundamental
É importante separar duas situações:
- Restaurar falas já gravadas: se o material já estava nos arquivos do jogo, mesmo corrompido ou oculto, seu uso é legítimo, já que os direitos patrimoniais pertencem à empresa.
- Recriar falas inéditas por IA: quando novas falas são geradas sem que a dubladora as tenha gravado, a situação se torna bem mais delicada, podendo configurar violação legal e ética.
Um debate para o futuro da dublagem
A polêmica envolvendo os remasters de Tomb Raider expõe uma realidade que tende a se tornar cada vez mais comum na indústria do entretenimento: a urgência de regulamentações específicas para o uso da IA.
Enquanto a tecnologia avança em ritmo acelerado, contratos e legislações ainda não acompanham todas as suas implicações. O resultado é que cada novo caso serve como um teste para estabelecer limites do aceitável — e o de Lara Croft pode ser um dos mais emblemáticos até aqui.
Queremos saber sua opinião:
👉 Você acha que o uso de IA para recriar vozes em The Angel of Darkness é um recurso válido de preservação ou um desrespeito ao trabalho das dubladoras?